Ao encontro do Yoga na Índia: uma viagem de transformação pessoal

 

Em setembro de 2017, a 12 dias de completar 41 anos, embarquei numa viagem em busca de descoberta e aprendizagem. O que vivi foi além do que eu podia imaginar quando, apenas alguns meses antes, decidi ir cerca de 4 meses para a Índia – decisão que surgiu naturalmente ao ter-me dado permissão para manifestar o desejo de vivenciar um retiro longo e profundo e suspender a minha vida “normal”. Tendo abraçado há anos o caminho do Yoga, a Índia era o destino óbvio, na vontade de me conectar com a fonte desta sabedoria e com uma espiritualidade viva. Eu sabia claramente que o que me atraía não era somente o Yoga tradicional, mas sobretudo uma cultura onde o sagrado e o divino têm um lugar central e a possibilidade de viver a espiritualidade nas pequenas coisas do dia-a-dia.

 

Primeira “paragem”: um ashram à beira do rio Ganges nos Himalaias[1]. Programa: festival hindu dedicado à Deusa – Navratri. 9 dias de ritual intensive: invocação, oração, agradecimento, celebração de diferentes qualidades da deusa. Foi a forma perfeita, para mim, de iniciar a viagem – uma mudança radical face à vida apressada, atarefada e ruidosa da cidade e ao meu mundo conhecido. Uma imersão total na cultura hindu, gestos e palavras que eu não podia entender, uma devoção que eu não conseguia alcançar, uma força que eu pressentia mas não podia “agarrar”. Não tive alternativa senão abrir mão da compreensão intelectual e do controlo e entregar-me à vivência espontânea e genuína de cada momento, recetiva ao desconhecido, e abrir-me a uma compreensão mais subtil, não visível, que toca as dimensões do coração e do espírito. Descobri-me, ou melhor redescobri-me!, conectada com as forças da natureza e outras forças invisíveis, movida por uma vontade para lá da minha vontade pessoal, profundamente apaixonada pela vida, grata e devota. Senti: cheguei à Índia!

Segunda paragem: Rishikesh, a loucura de oferta de aulas e cursos de Yoga, suavizada pela presença das montanhas e do rio Ganges (Grande Mãe Ganga). Aqui tive o privilégio de fazer aulas com uma grande senhora e mestra de Yoga, que estudou com Iyengar, Usha Devi[2]. Com ela vivenciei rigor e exigência de mãos dadas com amor e generosidade, e fui para além dos limites conhecidos do corpo, descobrindo maravilhada novos espaços internos e novas possibilidades de movimento. Por momentos compreendi a espiritualidade envolvida num trabalho profundo com o corpo!

 

Em seguida, a vontade de contactar com outro ensinamento tradicional levou-me ao Krischnamacharya Yoga Mandiram[3]. O trabalho corporal com asanas foi apenas um dos elementos, nem mais nem menos importante que outros mais subtis como pranayama e meditação, juntamente com filosofia do Yoga, canto védico e Ayurveda. A respiração como eixo central da prática. Ao contrário da experiência com a Usha Devi, aqui aprendi através da suavidade, do movimento lento, do fluir. A atenção plena resultava não da consciência corporal "cirúrgica", mas do contínuo foco na qualidade da respiração e da consciência da interdependência respiração-corpo-mente. Desta forma foi-me possível uma progressiva perceção das minhas dimensões mais subtis e da conexão com algo maior que me envolvia. Mais uma prova inequívoca de que o Yoga nos oferece várias formas genuínas de alcançar o objetivo e que tão importante quanto o tipo de prática ou técnica é a atitude com que abraço a minha escolha a cada momento e me permito experienciá-la de forma íntegra e verdadeira.

Estavam decorridos 2 meses e picos da minha viagem. Era altura de assumir mais plenamente a minha responsabilidade e o meu poder, dando espaço à integração da aprendizagem feita até então e à exploração da minha prática pessoal. Ao mesmo tempo, estava pronta para ir mais fundo na descoberta de mim mesma. Pronta para uma entrega e abertura mais profundas, dotada de mais clareza, mais confiança e com o coração mais aberto. Como é maravilhoso e poderoso confiar!, decidir e agir desde um lugar de tranquilidade e não de medo ou insegurança. Nas 6 semanas seguintes, passadas em Tiruvannamalai[4] e sobretudo Auroville[5], vivi momentos de extraordinária liberdade: profundo respeito por mim, pelo meu ritmo, pelas minhas necessidades, vontades e impulsos mais genuínos; sem cursos, sem planos fixos, sem horários pré-estabelecidos, permitindo o desenrolar espontâneo de cada dia, mais tempo de “nada fazer” ou simplesmente ser, e deixando-me surpreender; uma enorme disponibilidade para me relacionar com as pessoas, a partir da minha verdade, sem esforço, resultando em encontros de alma. O Yoga enquanto União - entre as várias dimensões que fazem parte de mim, entre mim e as pessoas à minha volta, e entre mim, a Natureza e a Existência como um todo. A Vida, de que eu faço parte, enquanto resultado da cocriação entre mim e a Existência.

 

4 de janeiro de 2018, tempo de regressar. Uma imensa gratidão pelo tanto que recebi. Tantas vivências, tantas impressões, tanta intensidade! Lugares sagrados, mestres imortais, oferendas, práticas, rituais. E também lugares comuns, pessoas comuns, a organização básica do dia-a-dia. Que poderei acrescentar sobre o que aprendi…?[6] Talvez que a resposta para um profundo Bem-estar não está efetivamente no exterior mas só e exclusivamente dentro de mim: o meu Bem-estar é minha inteira responsabilidade; na medida em que me sinto plena e perfeita como sou, a vida mostra-se plena e perfeita; quanto mais confio e me abro, mais recebo; a beleza e a generosidade que reconheço à minha volta são um reflexo da manifestação das minhas qualidades interiores. Que é preciso uma tremenda força e coragem para ser honesta, mas nada é mais libertador do que ser eu própria! Mais ainda, ser eu própria é o melhor que posso oferecer ao mundo. E que ser humilde não implica desvalorizar-me mas sim reconhecer a grandeza em cada pessoa, como em “namaste”, e reconhecer que existe uma Força maior que nos move, como em “seja feita a Tua vontade”! Quando me entrego, e deixo que essa Força me guie, posso “relaxar” e ficar em paz.

 

Esta viagem chegou ao fim, mas a descoberta e a aprendizagem não! Com o tempo vão surgindo novas compreensões, a aprendizagem vai-se encorpando (literalmente, chegando ao corpo e à ação) e a transformação pessoal acontece.

 

Lina Afonso | Yoga de Corpo e Alma. Junho 2018.



[1] Tapasyalayam (6 horas a norte de Rishikesh), da organização Purna Vidya, dedicada sobretudo à sensibilização das populações em temas da espiritualidade e ao ensinamento do Vedanta. www.purnavidya.com

[2] Omkarananda Patanjala Yoga Kendra, https://iyengaryoga.in

[3] Em Chennai. www.kym.org

[4] Onde fica a montanha sagrada de Arunachala (símbolo de Shiva) e o ashram de Sri Ramana Maharsi. No estado de Tamil Nadu no sul da Índia. https://www.sriramanamaharshi.org

[5] Comunidade (“cidade universal em construção”) inspirada e movida pelos ensinamentos e visão de Sri Aurobindo e a sua companheira espiritual The Mother. No estado de Tamil Nadu no sul da Índia. https://www.auroville.org

[6] Eu poderia escrever e partilhar muito mais, mas naturalmente não cabe aqui. Num livro talvez!